Pular para o conteúdo principal

Uma Viagem até à Lunda-Norte

A HISTÓRIA DOS ‘EMBAIXADORES’ DA TCHIANDA




O grupo musical Sassa Tchokwe começou a formação artística na década de 1980 na circuncisão (Mucanda), uma escola tradicional, onde ficavam entre seis e dez anos isolados na aldeia. Com a morte do líder, esmoreceu-se até que se dividiu em dois: um em Luanda outro nas Lundas. Mas nunca deixaram de ser Sassa.
Em 1984, Leopoldo Mboma Bijô e Mbanvo Cirisse, chamados ‘Grio’ porque cantavam e tocavam só com uma viola, fundaram o mítico grupo tradicional do nordeste Sassa Tchokwe. Foram precursores da Tchianda. Depois houve a necessidade de se pensar na “orquestração”, daí surgiu Txifutxi Shadede, o “primeiro tocador da viola solo dos quiocos”, reconhece Rei da Costa. O grupo era assim liderado por Bijô, que transformou o batuque ‘Ngomaya china’ em viola baixo. Na viola ritmo, estava Vuzule e o baterista era Soreme Mukhakhalo. Antes de conhecer Bijô, que tocava com uma ‘kassekumuna’ (viola de caixa), Rei da Costa, que já interpretava com Shadede e outros autores, aconselhou-o a “evoluir do Grio”, procurando mais gente para se formar uma banda. Foi assim que, em 1990, começou o sucesso da banda. Dois anos mais tarde, morreu o líder Bijô, o que desmotivou a prestação do grupo, mas não o matou “graças ao apoio moral” dos então governadores das Lundas (Norte e Sul), Moisés Nelo e Norberto dos Santos ‘Kwata Kanawa’.
Em 1999, deu-se a divisão dos protagonistas. Shadede Txifutxi ficou em Saurimo, Lunda-Sul, e Rei da Costa foi para Luanda, onde fundou Sassa Cokwe Kwata-Kwata (‘mãos dadas ou união faz a força’). Cada um deles criou as respectivas ramificações: formavam-se cantores que, por sua vez, criavam bandas próprias.
Da parte do Rei da Costa, surgiram nomes sonantes, como Djokami, Bob Camará, Tchib Kufa, Patrick Mukwenda. Já por parte de Shadede, começaram a tocar Sawalela, Sicrit, Munuma, Eduardo Wanga e Jacinto.
O grupo Sassa Tchokwe, apesar de começar com tchianda, tem a particularidade de tocar todos os estilos. Parte dos elementos do grupo, em geral, tanto de um lado quanto do outro, vive dos espectáculos e venda de discos. Alguns particulares como compradores de diamantes, nas Lundas, patrocinam os álbuns.
Os primeiros deles, em 1998, foram patrocinados por Joaquim Ipote e o belga SixtenYanga. Outro empresário, Muteba Adolfe Tchilamuína, apoia a criação de seis discos. Já foram publicadas três. Normalmente, os patrocinadores do Rei da Costa não são os mesmos do Shadede.
Rei da Costa lamenta haver “pouco reconhecimento” por parte das autoridades de Luanda, onde ele foi o primeiro divulgador da tchianda. Hoje, as vendas, apesar de o foco ser as Lundas, não se restringem àquele perímetro. Sempre que podem actuam em todos cantos de Angola, “desde que haja apoios”.
O líder do Sassa de Luanda admite precisar de uma produtora para que possa gravar e filmar videoclip das próprias músicas com um suporte mais técnico.
Dois dos álbuns foram lançados em Novembro, com títulos subliminares: Khomeya Nzambi (soco de Deus) apela à reflexão preconcebida dos aldeões, em acusar o tio de feiticeiro quando morre alguém. Outro título é Mutfuewayoano, que chama a atenção ao respeito que se deve ter ao Nguvulu (chefe, governo), sob pena de sofrer consequências.
Rei da Costa é caracterizado por usar “muitos” provérbios nas músicas, “são mais de cem”, justificando-se com a convivência quando criança no Jango, primeiro ciclo da formação do homem. Os mais velhos resolviam problemas começando com “uma dica em provérbio”. Lembra-se de ter ouvido muito: “sala salakanuke, hamenemukuluana mu sala” que corresponde em português a “quem não ouve conselho não chega a velho”. Um dos provérbios que mexeu com os fãs foi “mutfu wa gingala meza ka tfala kaua ku niênia”: “Um palerma pode levar o cão para cagar.” Quer dizer que o palerma pode levar o amigo a conseguir emprego, mas amanhã tem de lutar para o afastar do mesmo emprego.
Actualmente, cantores de outros estilos pedem participações do ritmo tchianda. O caso mais recente foi o de Patrícia Faria, que contou com a composição e arranjos do Rei da Costa. A cantora interpreta, em tchokwe, a música ‘Ushíua’ (órfão), vai sair no novo álbum. Artistas como Yuri da Cunha e Margareth do Rosário também anseiam incrementar a tchianda no repertório, mas não se realiza por motivos de agenda.
Batuques, violas e circunsição
SASSA é uma acrónimo que significa: Salvaguardar a Nossa Autenticidade, Seguimos Sempre a Arte Cokwe (Sassa Cokwe). Foi o primeiro grupo a adaptar o som dos batuques nas violas. Na circuncisão, havia seis tipos de batuques que depois passaram a ser imitados por seis cordas da viola: A viola solo fazia a vez do Munkundu, a viola ritmo – kassassuluio, viola baixo – Ngoma ya china. Outros batuques eram Mukuazu, Kassuli, Tchinguvu Tanto a parte de Shadede quanto a de Rei da Costa, são Sassa Tchokwe internacionais. Porque, justifica Rei da Costa, o grupo é “responsável pela preservação e difusão da cultura Lunda-Tchokwe nos povos, não só no interior, mas também além fronteiras”.
De sexo ao óbito
O sucesso ‘Na Muleleno’, que os Moyoweno interpretam, é um cancioneiro popular que já há muito tempo Sassa Tchokwe vinha interpretando. A versão dos Moyoweno foi a que caiu na graça do povo, não só das Lundas, despertando maior interesse às pessoas sobre a música e dança tchianda, o então típico estilo só para quem se formou na Mucanda, ja que não era característico desta banda da Lunda-Sul.
Reza a história que a tchianda é uma dança criada por mulheres. Os homens adaptaram-se a ela e, só depois da criação dessa dança, houve a necessidade de se criar a música. Há outras danças desta região etnolinguística como a akixi, própria dos palhaços, em que dançam também os ‘kandandgi’ (alunos da circuncisão tradicional); A tchissela é dançada em maratonas de 10 dias, convocada pelo soba com vista a comemorar a entrada dos rapazes à Mucanda e a saída depois de, pelo menos, seis anos. A kassekumuna é a que os jovens (da geração do Sassa tchokwe) criaram. A kandoua é dançada para comemorar o aparecimento da lua. A txiuíla é a que se ensinava à menina nos primeiros ciclos de menstruação. A munema, um estilo sentimental, presente nos óbitos.

Para "Recordar" espero que apreciem o ritmo tocante do "Namuleleno" Dos Sassa Tchokwe.
Apoiemos o que é nosso! Viva a Cultura Angolana! Viva aos Ritmos de África!

Por: Vânia D´Almeida
Fonte: Nova Gazeta

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Morreu Afonso Dhlakama

Afonso Dhlakama,  presidente da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo, principal partido da oposição), morreu aos 3 de Maio de 2018, aos 65 anos, devido a complicações de diabetes, noticiou a imprensa moçambicana que citou fonte partidária. Outras fontes da Renamo confirmaram à agência Efe a morte de Dhlakama, mas não deram detalhes da causa. Dhlakama vivia refugiado na serra da Gorongosa, no centro do país, desde 2016, tal como já o havia feito noutras ocasiões, quando se reacendiam os confrontos entre a Renamo e as forças de defesa e segurança de Moçambique. De acordo com a Televisão Independente Moçambicana (TIM), Dhlakama morreu quando aguardava, na serra da Gorongosa, por um helicóptero, para ser evacuado para a África do Sul, onde iria ser submetido a tratamento médico. Depois de abandonar Maputo, o líder da Renamo estava escondido no interior da serra da Gorongosa, na província de Sofala, em Moçambique, desde 2015. Dhlakama era desde 1984 o líder político da Ren...

Um vazio difícil de preencher

A morte de Afonso Dhlakama deixa o país inteiro mergulhado numa incerteza sobre o futuro da paz e da democracia moçambicanas. Talvez o nível de preocupação fosse menor caso o seu desaparecimento tivesse ocorrido num momento de paz consolidada, reconciliação nacional e de democracia estável. Mas hoje há mais incertezas e perspectivas menos boas sobre o que vem a seguir. Afonso Dhlakama deixa os importantes processos de pacificação e de democratização do país ainda longe de estarem finalizados. Era ele o actor-chave e detentor das memórias descritivas de todos estes dossiês, não se conhecendo outra figura interna na Renamo que possa dar seguimento ao seu trabalho sem ameaças de ruptura. Talvez seja por isso que o Presidente da República, Filipe Nyusi, tenha reagido de forma tão emocionada ao desaparecimento do líder da Renamo. “Momento mau para todos nós. Pior para mim. Ontem [quarta-feira] estive a fazer esforços para ver se transferia o meu irmão [Afonso Dhlakama] para fora do...

Ministro avalia acções do sector em Benguela

O ministro da Energia e Águas, João Baptista Borges, trabalha desde ontem em Benguela, onde visitou a central híbrica do Bocoio. Quando estiver concluída, a central vai servir a sede do município com o mesmo nome. João Baptista Borges assistiu ainda ontem ao auto de cosignação da empreitada para a construção de uma subestação eléctrica na cidade do Lobito. O empreendimento vai melhorar o sistema de fornecimento de energia eléctrica à zona da Restinga, do Compão e à Zona Comercial. “Basicamente, o escopo do projecto vai ser o reforço e melhoramento do fornecimento de energia eléctrica à comunidade do Lobito”, disse o ministro da Energia e Águas, João Baptista Borges, à imprensa. Lúcia Lisboa Fonte:Jornal de Angola